Pular para o conteúdo principal

Bioética - medidas para determinar o grau de bem-estar dos animais

CONGRESSO DE BIOÉTICA

Estratégias de avaliação da qualidade de vida no plantel

16/8/2010 Clique para Ampliar
Respostas fisiológica e de comportamento podem indicar o grau de bem-estar que os animais experimentam nos rebanhos. Dor e sofrimento traduzem grau baixo de BEA 
KIKO SILVA
Clique para Ampliar
Clique para Ampliar
Benedito Fortes, presidente do Cons. Fed. de Medicina Veterinária
FLÁVIA TONIN
É possível estabelecer parâmetros para medir o grau de bem-estar nas criações das variadas espécies animais
Belo Horizonte. Médicos veterinários brasileiros aderem à tendência mundial que busca estabelecer critérios de bem-estar animal (BEA) para as diferentes espécies, sejam silvestres, de companhia, de laboratório ou de produção. A adesão dos profissionais foi novamente confirmada durante o II Congresso Brasileiro de Bioética e Bem-Estar Animal, realizado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), na primeira semana deste mês no campus da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Com variada programação, um dos temas de destaque foi como definir estratégias para avaliação do BEA.

Segundo a pesquisadora e professora Carla Forte Maiolino Molento, do Laboratório de Bem-Estar Animal da Universidade Federal do Paraná (Labea/UFPR), uma das palestrantes, o ponto de partida para formulação das estratégias é o diagnóstico. "O primeiro conceito que deve ficar bem claro é que o bem-estar animal varia, desde o nível muito baixo até um grau elevado. A meta é entender uma determinada situação tendo como base esta escala de variação", destacou.

No Brasil, considera-se a terminologia de grau de BEA, nas quatro marcas: baixíssimo, baixo, moderado e alto. Com isto, é possível chegar a uma variação numérica, de acordo com a experiência em avaliação. Carla Molento diz ser viável definir vários indicadores no trabalho, tendo dois eixos centrais: a fisiologia e o comportamento do animal.

Critérios objetivos

"O bem-estar é definido pelo estado do animal em relação às suas tentativas de se adaptar à situação de vida que tem. Quanto mais for difícil para ele se adaptar ou contornar os desafios ambientais, menor será o seu grau de bem-estar. Para cada espécie, as formas de superar essas dificuldades são diferentes. Porém, qualquer espécie sempre vai apresentar esses dois eixos, sua fisiologia e seu comportamento".

As respostas fisiológicas e comportamentais são comuns a todos os seres vivos, sejam humanos ou não. Conforme a pesquisadora, essas respostas são operacionais e podem ser medidas, por meio de critérios objetivos. Até mesmo o comportamento animal, que tem a Etologia como base. Esta ciência foi reconhecida na década de 70. Porém, mesmo sendo recente, já está bastante desenvolvida.

Carla Molento mostra que, nesse aspecto, a primeira questão importante é comparar o comportamento natural da espécie com o comportamento que o animal de interesse está apresentando na criação.

"Quanto mais parecidos forem esses dois repertórios, melhor será o grau de bem-estar. Quanto mais diferente, pior", atesta a pesquisadora, justificando ser assim porque isto significará que o bicho estará sujeito a uma situação muito diferente da condição ambiental natural da espécie a qual pertence.

"Evolutivamente, os animais foram dotados para uma atuação compatível aos desafios de seu ambiente natural. Quando ele é retirado para um ambiente artificial, pode estar diante de dificuldades que não tem condições comportamentais e fisiológicas para superar. Daí, vai viver em sofrimento porque não consegue transpor os desafios desse novo contexto", aponta a pesquisadora.

Já no aspecto da fisiologia, os parâmetros mais utilizados para avaliar o BEA são os originários da fisiologia do estresse. Quanto mais intensamente as manifestações dessa fisiologia forem ativadas, menor é o grau de BEA. Ela aponta que a dor e o medo são os grandes indicadores neste aspecto. Porém, explica que esta fisiologia, em si, não indica sofrimento. Até mesmo porque algumas manifestações são ativadas no aspecto positivo. Por exemplo, numa situação reprodutiva.

Entretanto, quando há várias associações dos indicadores do estresse com os comportamentais, a configuração será para menor bem-estar. Daí a importância de considerar tanto os indicadores fisiológicos quanto os de comportamento como estratégia para avaliação do BEA. "Quando existe ativação da fisiologia do estresse em um contexto no qual o animal demonstra em seu comportamento que quer fugir da situação, escapar, se livrar, aí temos um comprometimento do bem-estar".

Sobre a possível incompatibilidade do manejo dos animais de produção como bovinos, caprinos, suínos, ovinos e aves com o BEA, a pesquisadora esclarece que, nem sempre, a melhoria do bem-estar inviabiliza a produção no setor. Na sua experiência, vem constatando haver vários cenários onde as situações que causam sofrimento para o animal também provocam diminuição de lucros para a cadeia produtiva. "Melhor exemplo neste caso são as situações de estresse e sofrimento agudos relativos ao transporte e abate de rebanhos. Quantas toneladas de carne nós descartamos no País devido a contusões provocadas durante embarque, transporte e desembarque do gado", adverte.

Ela cita trabalho de pesquisa feito pelo grupo do professor Mateus Paranhos, da Unesp de Jabuticabal, em São Paulo, no qual ficou constatada a perda em torno de 20% da carne devido a manejos inadequados. No Paraná, Carla Molento também faz um trabalho em frigoríficos com abate municipal, onde é constatada elevada incidência de animais com contusões, o que provoca redução na quantidade de carne adequada para o mercado consumidor.

Manejo errado

"As contusões acontecem porque existe um manejo que precisa ser melhorado, assim como as instalações. Mas o maior problema está no manejo", afirma, observando que quando se tem um ambiente que causa nervosismo e medo nos animais, há um circulo vicioso de estresse que vai envolver, inclusive, os funcionários.

Os sistemas de criação intensivos, com aglomeração de muitos animais em pequenos espaços como forma de redução de custos são, na avaliação da pesquisadora, comprometedores do BEA. "Há problemas intrínsecos nesses sistemas. É preciso reverter a intensificação".

Desafio
"Quanto mais difícil forem os desafios ambientais, menor será o bem-estar animal"
Carla Molento
Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

MAIS INFORMAÇÕES 
Conselho Federal de Medicina Veterinária/ Comissão de Ética, Bioética e bem-Estar Animal
(61) 2106.0400/ www.cfmv.org.br

ENSINO SUPERIOR
CFMV quer garantir nova disciplina nas faculdades

Belo Horizonte. Capacitar professores para ministrar a disciplina de Bem-Estar Animal (BEA) nas escolas de Veterinária é uma das metas do Conselho Federal de Medicina Veterinária. Das cerca de 170 faculdades existentes no País, apenas a média de 30% já tem a disciplina no currículo. Como trata-se de uma área nova, a medida ainda é um desafio a ser superado no Ensino Superior do País. O assunto foi uma das palestras também abordadas no II Congresso Brasileiro de Bioética e Bem-Estar Animal.

"Somos recordistas mundiais em número de escolas veterinária. Hoje, são quase 170 entre públicas e privadas. Só em São Paulo são mais de 40. Isto criou um aspecto mais comercial do ensino. Dificulta a disseminação da criação de disciplinas de Bem-Estar Animal. Muitas delas são escolas novas, e as coordenações ficam sem saber quando criar a disciplina. Também faltam docentes. Muitos colegas têm conhecimento, mas estão na área de pesquisa", afirma o presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda.

O Conselho Federal avalia a possibilidade de já em 2011 oferecer algum tipo de formação on-line para docentes em BEA, que deverá contar com a participação, entre os ministrantes, de veterinários e zootecnistas não só do Brasil, mas de outros países também.

Com a promoção dos congressos nacionais e regionais, o CFMV entende já estar contribuindo para ampliar o debate sobre o tema no País. "A nossa preocupação agora é preparar, capacitar professores, principalmente veterinários e zootecnistas, para que eles possam participar desse processo. A disciplina é tão importante quanto as demais da Veterinária", diz ele.

Valéria Feitosa
Editora do Regional


Comentários