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Projeto “Maestria em Artes e Ofícios Populares no Território do Sisal”

Tânia Fischer, professora de administração da UFBA e coordenadora do projeto “Maestria em Artes e Ofícios Populares no Território do Sisal”

 
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16/03/2011 - Diante da importância do artesanato como forma de representação cultural e, ainda, acreditando que a cultura é um dos elementos cruciais para o desenvolvimento territorial, nasceu o projeto “Maestria em Artes e Ofícios Populares no Território do Sisal”. Produzido pela ProfessoraTânia Fischer e o pesquisador Rodrigo Soares, o projeto buscou mapear os mestres-artesãos locais, caracterizando os saberes populares e difundindo na sociedade suas artes e ofícios. Em entrevista ao Portal da RTS, Tânia Fischer fala sobre o surgimento do projeto, suas contribuições para o desenvolvimento sócio-territorial, além das tecnologias sociais inseridas nesse contexto.
RTS - Como surgiu a ideia do projeto?
Tânia Fischer - Primeiramente, faz-se necessário contextualizar institucionalmente esta pesquisa. O desenvolvimento territorial, eixo estruturante do projeto, é o objeto de estudo do Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS) da Universidade Federal da Bahia, desde que este foi criado, em 2002, por indicação do Fundo Verde Amarelo do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), para se transformar em um centro de referência em gestão social. Alinhado às diretrizes que orientam as políticas públicas das esferas estadual e federal, o CIAGS tem aprofundado as discussões sobre o tema “territórios”, inserindo-o de forma transversal em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Nessa perspectiva, acreditamos que a cultura é um dos elementos cruciais para o desenvolvimento de territórios, sendo essencial a implementação de ações que fortaleçam os conhecimentos tradicionais e reconheçam os saberes e fazeres que conferem a determinado território a sua identidade. O Projeto “Maestria em Artes e Ofícios Populares no Território do Sisal” nasceu da percepção de que não se tinha nenhum estudo ou sistematização acerca de quem seriam os mestres-artesãos baianos, e também que estes saberes vinham se perdendo com a morte destes artesãos.
A iniciativa teve como objetivo mapear os mestres-artesãos, caracterizando os saberes populares para reconhecer, valorizar e difundir na sociedade as artes e ofícios nos territórios de identidade do semi-árido baiano (região sisaleira), sistematizando formas de passagem dos saberes. O projeto foi desenvolvido em 10 dos 20 municípios que o compõe o Território do Sisal, tendo alcançado resultados bastante significativos.
RTS - O projeto busca, entre outros objetivos, investigar os fenômenos sociais representados pela emergência e diversidade dos ofícios artesanais. Quais fenômenos são esses?
Tânia Fischer - A partir do artesanato é possível investigarmos questões relacionadas ao gênero e ao associativismo, por exemplo. Podem ser feitas também abordagens ligadas à interculturalidade, à criatividade social e também à economia da cultura. Esses são apenas alguns dos temas dos quais são possíveis empreendermos esforços de análise, e que emergem como questões relevantes do ponto de vista social.
RTS - Como as Tecnologias Sociais se inserem nesse contexto?
Tânia Fischer - O artesanato é, em si, uma tecnologia social se o considerarmos como um conjunto de técnicas e procedimentos associados a um tipo de organização coletiva, que representa uma solução para a inclusão social e melhoria da qualidade de vida. O que se buscou no projeto foi sistematizar os saberes populares, captando sua natureza, estrutura e tecnologias que lhe são inatos, de forma a categorizar níveis de domínio e performance, respeitando as pautas culturais e identitárias que ancoram estes saberes. A produção manual em nível de excelência, com a utilização de instrumentos muitas vezes construídos pelos próprios artesãos, é, portanto, uma tecnologia social em si mesma.
RTS - Foram identificadas tecnologias de difusão do saber popular utilizadas pelos mestres-artesãos?
Tânia Fischer - Por maestria entende-se o domínio de um campo de saberes e práticas relativamente definido enquanto natureza e estrutura conceitual, ou seja, um campo disciplinado pela própria estrutura do saber e com ritos de passagem que garantem a sua permanência e renovação. A passagem de saberes ainda se dá prioritariamente na estrutura familiar, tendo sido observadas poucas iniciativas dos poderes públicos no estímulo a esta passagem. Inexiste uma forma estruturada que garanta essa continuidade, que se evidencia claramente no discurso dos artesãos, ao revelarem que os jovens estão pouco interessados em aprender o artesanato como ofício. Essa é uma questão que não deve ser tratada de forma simplista, como se esse desinteresse fosse o único fator determinante para a fragilidade do setor. É uma circunstância que poderia ser resolvida de outra forma. O interesse do jovem pode não ser especificamente em produzir artesanato, mas pode estar relacionado às novas tecnologias, criação de websites, estudos sobre a história local, mobilização das pessoas, enfim, em como dar visibilidade ao segmento. Há uma diversidade de possibilidades envolvidas nesta passagem de saberes do artesanato que não se resumem ao fazer em si. A forma como este artesanato estará estrategicamente associado à cultura local de maneira qualificada é que será determinante para a sua manutenção, e aí pode estar a participação de uma parcela dos jovens.
RTS - Quais são as contribuições do projeto para o desenvolvimento sócio-territorial?
Tânia Fischer - Foram identificados oito mestres-artesãos no Território, a partir de critérios definidos pela equipe, tendo os mesmos sido criados a partir de uma revisão sobre o que já foi produzido por instâncias governamentais, organismos internacionais e prêmios já concedidos a mestres-artesãos em outros contextos. Adaptamos ao nosso contexto e inserimos um pouco da nossa percepção sobre o tema e, dessa forma, foi possível criar um mapa conceitual que nos servisse como um ponto de partida para a identificação dos mestres.
A metodologia priorizou as histórias de vida dos artesãos, como sendo representativas, em última análise, do próprio artesanato trabalhado. Ao invés da valorização restrita à peça, colocamos o indivíduo, o artesão, no centro de nossa abordagem. É comum vermos catálogos de artesanato que apresentam um conjunto de peças produzidas, mas deixam um vazio no que refere à autoria, à história subjacente àquele produto e que é, de fato, o que o torna possível.
A universidade está comprometida com a pesquisa, essencialmente com a delimitação de um cenário e das variáveis que o compõe, para que tais informações possam subsidiar políticas públicas ou mesmo ações da própria sociedade civil. Além dessa função de “diagnóstico”, por assim dizer, nós de fato intervimos no território ao promover oficinas ao final do projeto, ministradas pelos próprios artesãos às pessoas que se interessaram em aprender o ofício. Nos municípios, o projeto foi muito bem aceito e houve uma grande mobilização local, com inserções em veículos de comunicação e redes sociais.
Como contribuições efetivas para o segmento artesanal, podemos citar a mobilização que fizemos junto instituições que trabalham com artesanato em nível estadual e federal, culminando com a realização do I Encontro Baiano de Artesanato (realizado em 2008). Este foi um ponto de partida importante para o projeto, pois tivemos um panorama real sobre a atividade e seus principais atores.
Em seguida, sistematizamos critérios para definição de mestres-artesãos após a pesquisa de campo e produzimos o “Catálogo de Mestres de Artes e Ofícios”, que traz as histórias de vidas dos artesãos entrevistados. Além disso, produzimos um vídeo documentário de 30 minutos (em DVD) sobre o artesanato desenvolvido no território e um site específico para o projeto, contendo material audiovisual da pesquisa de campo (www.mestresartesãos.ufba.br). Como política do CIAGS de difusão dos resultados, estamos em processo de distribuição do catálogo para bibliotecas públicas, pesquisadores e órgãos públicos que trabalham com o tema, afim de que este trabalho, como registro histórico, possa suscitar outros debates e intervenções no segmento.
RTS - Como foi a interação com as comunidades, durante a realização do projeto?
Tânia Fischer - Fomos muito bem recebidos nas comunidades. Em algumas das localidades foi possível perceber também um certo grau de surpresa, devido ao interesse da universidade em conhecer uma atividade que para eles é algo muito enraizado no próprio cotidiano, muito trivial. Foi fundamental para o projeto ter conseguido estabelecer relações de confiança com membros da própria comunidade, pois estamos em Salvador há cerca de aproximadamente 230 km do Território. Foi, portanto, crucial que algumas pessoas dos municípios fossem nossa interface nos intervalos entre uma viagem e outra ao território, evitando assim uma desmobilização que poderia ter ocorrido dado o longo período do projeto.
RTS - Quais as dificuldades encontradas no desenvolvimento do trabalho?
Tânia Fischer - A inexistência de dados primários e secundários confiáveis sobre o artesanato baiano foi uma das grandes dificuldades. As prefeituras não possuem um documento censitário sobre o setor e muitos dos artesãos só foram descobertos in loco, a partir de informações que fomos obtendo gradativamente nas visitas feitas ao município. A título de exemplo, um artesão citava um outro como sendo o mestre, o qual era igualmente apontado também por um outro artesão, e, a partir disso, fomos cruzando as informações, criando uma teia. Em alguns municípios de fato foi possível ter um ponto de partida minimamente estruturado, já com algumas indicações, mas reafirmo que, em geral, a carência de informações atualizadas e reveladores do contexto local foi uma das grandes dificuldades do projeto.
RTS - Após o mapeamento e sistematização dos mestres em artes e saberes populares, com a elaboração de catálogo, vídeo-documentário e realização de oficinas, foi estabelecido um novo ponto de chegada para o projeto?
Tânia Fischer - Sim, uma vez mapeados os mestres a ideia é que possamos inseri-los em uma rota turística específica de artesãos de excelência, visando trabalhar os seus saberes e fazeres como atrativo local. A partir do reconhecimento do artesanato de excelência produzido no território, estamos planejando atividades de fortalecimento do artesanato sob a perspectiva da produção associada ao turismo. Uma produção dessa natureza é aquela que detém atributos naturais ou culturais de uma determinada região, capaz de agregar valor ao produto turístico. Esta visão coloca o artesanato baiano na perspectiva de geração de novos negócios, permitindo o aumento do fluxo de pessoas a partir de novas rotas turísticas e, sobretudo, possibilitando a inclusão de artesãos e grupos produtivos que não possuem acesso a mercados.
Além disso, como um dos resultados do projeto, publicamos o sitewww.mestresartesaos.ufba.br, o qual traz alguns conteúdos relacionados ao projeto e que pode ser alimentado daqui para frente com dados sobre outros artesãos ou tipologias que ainda não foram contempladas. É um canal aberto de interação entre a universidade e sociedade civil, tornando possível um fluxo de informações sobre artesanato, identidade e desenvolvimento sócio-territorial.

Por Bruna Villarim, Assessora de Comunicação da RTS.

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